Choques culturais de segundo grau
Você
provavelmente já leu na internet artigos sobre as maravilhas de se morar fora.
Conhecer outras culturas, viajar bastante, expandir seus horizontes, sair da
zona de conforto e outros fatores que fazem a experiência de se viver em
outro país como algo quase que obrigatório para você se dar bem na vida.
O que ninguém fala é que mesmo em meio a tantas descobertas e novidades,
as constantes mudanças e conflitos culturais vividos diariamente em um país
novo podem acabar sendo bem desgastantes. O quanto você está disposto a
enfrentar os desafios de uma vida nova, seja em relação ao clima, custo de vida
ou até quando as expectativas do seu novo país não correspondem à realidade? Quantos
perrengues você está disposto a enfrentar para crescer pessoalmente ou
profissionalmente?
Hoje eu resolvi abrir meu coração com vocês, queridos leitores (*solo de
violino*) e contar que mesmo depois de morar em Hong Kong por quase seis anos, as
coisas nem sempre são fáceis. No meu caso, o ‘perrengue’ da vez está no
trabalho. Espero que vocês curtam esse textão.
Para quem não acompanha o blog, eu vim a Hong Kong para trabalhar na
CWCC, uma consultoria de negócios para a América Latina (você pode ler mais
sobre minha experiência aqui e aqui). Eu acabei trabalhando nessa empresa por 4
anos e apesar de ter sido uma experiência profissional muito enriquecedora e
importante para a minha carreira, foi ao mesmo tempo muito intensa e estressante.
Isso se deve ao fato da nossa equipe ter um chefe muito peculiar, digamos
assim, que nos levava aos limites de nossa sanidade com suas estratégias de
negócio excêntricas e um controle rígido sobre tudo que fazíamos.
Eu poderia escrever um livro inteiro sobre todas as situações bizarras
pelas quais eu passei trabalhando na CWCC, mas isso fica para uma próxima! Em
meio a toda a loucura que era nosso trabalho, eu e os outros latinos da empresa
éramos praticamente uma família, dentro e fora do escritório. A maioria dos
meus ex-colegas latinos também não trabalham mais lá, mas somos bons amigos até
hoje! Nada melhor do que ter amigos queridos espalhados pela América Latina e
Espanha! :)
Finalmente, no final de 2014 eu comecei a trabalhar em uma organização
não governamental, a Habitat for Humanity (ou Habitat para a Humanidade em
português), uma organização fundada nos Estados Unidos, que tem como causa a a
promoção de moradia decente para todos. Logo depois de terminar o mestrado, ter
a chance de trabalhar em uma ONG que atua mundialmente sem ter que sair de Hong
Kong (existem poucas ONGs por aqui)...uau! Era (e ainda é) o emprego dos sonhos
para mim!
Tudo parecia ótimo, o ambiente no escritório é super tranquilo, tenho
muito mais flexibilidade em relação a horários (sem aquela pressão de ter que
trabalhar até tarde para agradar o chefe). De quebra, ainda tenho a chance de
viajar bastante!
Porém, o
choque cultural bateu forte! Apesar de ser uma organização ‘internacional’,
todos os meus colegas são muito ‘locais’. E digo locais não em um sentido
pejorativo, que fique bem claro, mas sendo a única estrangeira da equipe, as
diferenças culturais são extremamente visíveis. Por exemplo, a maioria da
comunicação do dia a dia é em cantonês. Mesmo que as reuniões semanais e emails
sejam em inglês, boa parte da comunicação boca a boca no escritório, desde piadinhas
até assuntos administrativos acabam sendo feitas em cantonês. Bom, não vou
negar que sinto uma pontinha de ressentimento quanto todo mundo no escritório
está rindo daquela piada super engraçada... e eu com um sorrisinho amarelo por
não entender nada.
Somos um
time pequeno em Hong Kong, então é normal que as vezes o pessoal se reúna para bater
papo, e logo todo mundo está participando da conversa. Menos eu, porque é tudo
em cantonês. As vezes eles me dão uma breve explicação sobre o que eles estão
falando, mas nesse meio tempo o assunto da conversa ja mudou e meus comentários
já estão fora de lugar... Outro fator que acaba me afetando bastante é que
muitos de meus colegas não tem tanta facilidade para se comunicar verbalmente em
inglês. Da mesma maneira que acontece no Brasil, uma coisa é ter aulinhas de
inglês na escola, outra coisa muito diferente é poder conversar fluentemente
com o único estrangeiro no escritório.
A própria
idéia de falar sobre banalidades em Hong Kong é diferente e muitas vezes as
conversas normais deles podem parecer intrusivas e confusas quando traduzidas
para o inglês. Um exemplo engraçado: a frase em cantonês ‘você já comeu?’ é
comum aqui, mas não significa um convite de almoço, e sim uma expressão para ‘tudo
bem’?
O escritório fantasma - a noite, quando eu fui a última a sair |
Você já
deve estar pensando “nossa, mas esses chineses são muito antipáticos, hein?” Mas
calma, não é bem assim! É uma questão cultural, principalmente no que diz respeito
à culturaa de trabalho. Em Hong Kong, por exemplo, o relacionamento entre
colegas tende a ser mais distante e as
pessoas dificilmente discutem assuntos pessoais com colegas de trabalho. No
Brasil é justamente o contrário: é super normal (e até esperado) criar amizades
com colegas. Afinal, vocês passam boa parte do dia juntos e com o passar do
tempo, as afinidades e amizades se formam rapidamente e vão além dos limites do
escritório: happy hours, baladinhas no fim de semana e até relacionamentos mais
‘pessoais’! Afinal, quem nunca viu casais se formando na empresa?
Em Hong
Kong isso não acontece tão abertamente. Normalmente sou eu que sempre pergunto
para os meus colegas “como foi o seu fim de semana?” ou “o que você vai fazer
no feriado?” e as respostas que eles dão são sempre meio curtas e com uma cara
de ‘porque você está perguntando isso?’. De certa maneira, é muito interessante
poder vivenciar essas diferenças culturais e aprender com elas (ou tentar, pelo
menos).
Isso me
faz pensar que é importante aceitar que diferenças culturais intransponíveis
podem exisitir sim, mas que isso não deve ser tranformar em um julgamento sobre
a cultura dos outros. A aceitação de que
o ‘normal’ deles é diferente do nosso ‘normal’ é fundamental para se ter a confiança
necessária para ultrapassar essas barreiras culturais e estabelecer
relacionamentos sólidos com as pessoas ao seu redor.
No
trabalho, eu reporto para o escritório regional, cuja sede fica nas Filipinas e
os colegas do meu time estão na capital do país, Manila, ou em Cingapura. E pra
piorar ainda mais, a natureza do meu trabalho exige pouca interação com o
pessoal que está baseado no escritório aqui em Hong Kong. Mesmo trabalhando
meio que ‘virtualmente’ com meu time, quando nos encontramos fisicamente a cada
3 meses, para mim é um sopro de ar fresco poder conversar no mesmo idioma e com
pessoas que são mais ‘ocidentalizadas’ como eu.
Enfim, depois
estar em HK por tanto tempo, achando que estou pronta para enfrentar tudo e
todos, eis que me encontro solitária e um pouco desconectada no ambiente de
trabalho. Apesar de amar o que eu faço, a sensação de conviver há mais de um
ano com pessoas que eu mal conheço é um pouco sufocante, e minhas tentativas de
socializar com meus colegas ainda não foram tão bem sucedidas. Eu já falei que
além de tudo isso, eu sou super tímida? Para mim não é natural ir
aleatóriamente aos cubículos dos meus colegas e puxar assunto, gulp! Eu sei que
meus companheiros de trabalho são ótimas pessoas, e espero ter a chance de
conhecer eles melhor, e fazer com que eles me vejam como ‘uma deles’, mesmo que
leve tempo.
A solução
óbvia? Aprender cantonês, claro! Pelo menos agora eu já posso me orgulhar em
dizer que estou aprendendo! Mas o idioma é tão dificil que quando eu terminar o
curso básico em julho, ainda estarei longe de ter conversas simples, haha! Mas
pouco a pouco eu vou aprendendo e já posso dizer que o meu entendimento de
algumas palavras melhorou muito!
Outro choque cultural que mostra o sacrifício que é viver em Hong Kong! |
Peço desculpas
pelo post um tanto quanto introspectivo! Eu procurei na internet matérias ou
fóruns sobre esse assunto, mas não encontrei muitas informações úteis, então
resolvi compartilhar meu dilema com vocês.
Alguém aí
já passou por uma situação parecida ou tem dicas para dividir comigo? É só
escrever nos comentários! Eu estarei eternamente agradecida! :)
Muy buena entrada! Me imagino que como llegaste a trabajar con latinos en CWCC, no habías sentido el shock cultural hasta que te cambiaste de trabajo. En mi caso, llegué directo a una empresa con la mayoría de trabajadores locales y supongo que ya me acostumbré a la apática cultura laboral que tienen. Mi oficina es un poco más grande y te das cuenta que incluso entre ellos hacen grupitos de amigos que se van a comer juntos, pero rara vez hablan de cosas personales, o salen juntos después del trabajo.
ResponderExcluirPor otra parte, es muy bueno que hayas empezar a aprender cantonés. Cuando tus colegas lo sepan, se van a sorprender y te empezarán a hablar más en cantonés. Creo que saben que su idioma es difícil y siempre aprecian a algún extranjero/a que esté aprendiendo cantonés y/o chino tradicional.
Echale ganas y no te desesperes! Bien dices que lo mejor es respetar las culturales locales y tratar de adaptarnos lo mejor posible. Animo!
Gracias Arturo! Me imagino que hayas vivido muchas situaciones similares en tu trabajo! Lo mas importante es que me encanta mi trabajo, y ojala cuando yo tenga mas conocimiento del cantones puedo entenderlos mejor, jaja!
Excluir